entrevista de ronaldo azeredo a carlos adriano Quando Trópico convidou-me para contribuir com um artigo sobre poesia brasileira, logo pensei numa proposição que pudesse ser capaz de fazer rima com a substância e o caráter raro da própria poesia. "Raro" no sentido de precioso, que não é comum, que não se vê com freqüência ou que poucas vezes acontece, mas também no senso de escasso, pouco numeroso, pouco basto e, ainda, como algo singular, admirável, extraordinário. Fazer falar um poeta pela primeira vez, eis aí talvez algo raro. Pois o poeta Ronaldo Azeredo, apesar dos 50 anos de poética, nunca concedeu uma entrevista. Parecia uma "pauta" interessante, mas impossível, dada sua doce e renitente recusa em falar. Dois outros aspectos de sua arte e personalidade rimavam com o vago adágio do raro: a natureza de sua poesia, singular e surpreendente; sua conduta moral, inimiga do engodo que consome egos na vã fogueira das vaidades. Queria fazer a entrevista, entretanto sabia que não seria fácil. Sem esperança e com temor (para evocar e inverter Pound), hesitei antes de procurá-lo. Mas ao reler a dedicatória que ele fez em seu livro "Lá bis os dois" (2002) acusando-me "o nosso cineasta", um risco de ânimo, como relâmpago de coragem, acendeu-se e os dados foram para a caçapa. Supondo que o raro desta pauta também rimaria com escasso, pedi a Ronaldo se ele poderia me contar exatamente a quantia de poemas, ou "trabalhos", como costuma dizer, publicados desde 1954, além dos três textos em prosa, como "Monstro Moonzebur" e "O driz da feia". Na hora, ele disse não saber ao certo, mas imaginava que não passavam de 30. Auxiliado por Amedea, sua fiel companheira e valiosa colaboradora – que bordou asas e almas para seus poemas de pulmões, lábios e borboletas –, ele telefonou depois e revelou o número do censo: 29. Rara a poesia de Ronaldo – não biodegradável em pó (como abundam os versos moles de tantos escrivãos de poemas), mas (de imagens-enigmas, plena de mistério que não se reduz e que "rexiste") bioconsagrável em poesia. Ronaldo Azeredo nasceu em 1937, no Rio de Janeiro, no bairro de Vila Isabel, na rua Teodoro da Silva, a um quarteirão da casa onde nasceu Noel Rosa. Irmão de Lygia, que se casaria com Augusto de Campos, e de Ecila, futura mulher de José Lino Grunewald, Ro (como era chamado em casa, de onde de vez e em vez escapava) mudou-se para São Paulo em 1957 e morou nos bairros do Cambuci e das Perdizes. No luminoso texto de 1985 "Resiste, Ro" (republicado em "À margem da margem", 1989), Augusto de Campos revela e interroga o trabalho de Ronaldo Azeredo: "poesia de pedra bruta, pedra pura, pedra prima?", sinalizando ainda sua "sabedoria sem títulos". Rebelde e afável, o poeta que viria a viver aventuras imprevisíveis em sua arte conheceu figuras lendárias da boêmia carioca (da Cinelândia à Lapa e à Tijuca): o jogador de sinuca Carne Frita, os compositores Bororó e Ismael Silva, o malandro Madame Satã. Certa vez declarou que este poema de 1954, que espantou Augusto de Campos e Décio Pignatari, seria seu epitáfio: "Prefixo. Prefácio. Prelúdio. Prenúncio. Poema". Após publicar o primeiro, "Rato", em "Noigandres 3" (1954), revista da poesia concreta, participou das exposições de 1956 e 1957, antes de lançar em 1958 três "hits"’ do movimento: "ruasol", "lesteoeste" e "velocidade". "Lá bis os dois", seu último trabalho publicado e talvez sua obra-prima, fornece uma preciosa chave "dialéxica" para se apreender sua poesia como um todo. Na primeira página, o livro estampa, escrito à mão, um "Método de leitura": 1. Feche os olhos suave mente 2. Com as pontas dos dedos tateie as páginas leve mente 3. Termine a leitura: feche o livro e pense brutal mente Agora pode começar sua leitura Valendo-se de folhas brancas em relevo de dupla face e fazendo deslizar os sentidos de dobras, dunas, lábios, olho e vulva, o poema culmina na projeção de uma íris (suprematista, de largo arco) vermelha, que coagula a retina e deseclipsa o pensar. Não à toa, um dos mais belos trabalhos do poeta chama-se justamente "Pensamento impresso" (1974). Dedicado a Mallarmé, ideogramas japoneses de flor e muitas flores (em folhas transparentes) fazem brotar o arco-íris que derrete em mar, até tudo virar música (partitura de Gilberto Mendes). Muitos dos poemas de Ronaldo Azeredo não têm título, nem contêm palavras. A textura molecular em metástase de poros e retículas da célula pedra (1972) prediz que o destino disso talvez seja mesmo pela via anormal. No "poema ecológico" (1973), imagens fragmentadas de paisagem (em papel vegetal) sobrepõem-se a cifras de computador. Noutros, a palavra copula com a imagem: "Labirintexto" (1976), mapa geobiomnemográfico com o trajeto do poeta por ruas cruciais de sua vida; "Armar" (1977), caixa preta de um quebra-cabeça para dois nomes; "a casa de boneca" (1984), homenagem a Duchamp que desafia o (in)visível a olho nu; "Enquanto durou" (1984), trilha dupla do olho pelo rastro de um ciclo de flores que cobrem a frase até que sequem e façam aflorar outro sentido. "A pirâmide" (1991) ou "noite noite noite", é uma abortada instalação magistral transcrita em escultura-bandeirinha (Volpi em três dimensões? poema pintado no espaço-tempo?), sobre as três noites que o poeta passou "fora da terra" (o alfabeto afetivo de A a Z, o tributo a "Noigandres" e a Pagu, os semi-círculos pendulares detonadores de som). Ronaldo também expressou-se pelos canais do vídeo, com o poema-feitiço "Pão de açúcar" (1999). Mas cinematográfico mesmo é o deslumbrante "poema das panagens" (1975), que costura formas, cores e texturas, planeta, pulmão e borboleta, ar, asa e "arfar", em dez pranchas-fotogramas vislumbradas por Ronaldo e entretecidas por Amedea. Sendo cinema (o meio que escrutina a mancha-pensamento), este poema é uma elegia à sensualidade cerebral. Nesta conversa rara, temas como poesia participante, Volpi e concretismo são abordados por Ronaldo Azeredo, poeta que prefere o silêncio grávido de sentido e os interstícios ambíguos das invenções concisas, no lance do gozo do novo que se descobre na vida – com seu olho tátil, um fazedor de poemas convertidos em pensamentos impressos. Esta é a primeira entrevista que você aceita fazer em toda sua vida. Por que você é arredio e avesso a falar de sua obra? Ronaldo Azeredo: Eu nunca dei uma entrevista. Não gosto de falar muito. Nãoque tenha dificuldade em falar; mas nunca tive necessidade talvez. Estou dando a primeira entrevista agora porque é para você, tão somente. Achei também que seria importante esclarecer algumas coisas que você quisesse me perguntar. Não tenho necessidade de falar nada nem de me expor a nada, como nunca me expus. Não gosto de me expor, não gosto de falar. Que mais eu poderia dizer? Que tal dizer algo sobre essa sua conduta, que alia rigor e recusa, e o faz até mesmo negar que participe de mostras e publicações? Azeredo: Não procuro, assim, participar de nada. Sempre sou procurado; e, se me interessa, participo; se não interessa, não participo. Sigo naturalmenteum aval do grupo, onde eles sempre forem, eu sempre estarei ao lado deles. Qual é esse grupo? Azeredo: O Augusto (de Campos), o Haroldo (de Campos) e o Décio (Pignatari), o núcleo primeiro da poesia concreta. Sempre quem deu as entrevistas, falou da parte teórica, a parte intelectual, foram eles. Evidentemente sempre respeitei e sempre acompanhei. Nunca tive necessidade de aparecer, não tenho nem quero. E fica assim gravada uma idéia "nova" -eu gosto é de fazer a obra, não de falar. Um negócio meu. Não vou procurar ninguém também. Com você, é diferente. Quando você me procurou, eu falei sim. Mas eu sei que você fala muitas vezes (como diria o Volpi) "No!" Azeredo: Ah, sim, isso eu sempre falo. Prefiro sempre sair fora do que participar. Nunca participei de nada assim. Sempre tive um sentimento grupal, participei do que o grupo participava, mas sem uma atividade... Evidentemente, os grandes intelectuais do grupo eram os três, não era eu. O Augusto, Haroldo e o Décio: os grandes teóricos e os grandes poetas. Eu era mais o fazedor, não era o teórico ou formulador de grandes teorias. Nunca fui e nunca serei. Eu sou um fazedor. Um artista, um artesão: eu faço os poemas. Você falou muito em grupo, apesar desse recato todo em não querer se expor. Mas seu trabalho é bastante diferente. Como você concilia essa "fidelidade" ao grupo com uma individualidade tão marcante? Azeredo: Até hoje eu respeito o grupo; para onde eles forem, eu vou. Nascemos juntos, crescemos juntos, formalizamos todo um projeto de poesia juntos. Augusto, Haroldo e Décio primeiro -os intelectuais que fundaram a poesia concreta. Eu já sou o segundo. Mas o segundo próximo, ali perto. Até hoje respeito o grupo. Mas minha obra e as obras deles também foram se ramificando, cada um foi para seu lado, fez a sua obra, independente. Mas o grupo é muito importante – porque existe –, um fortalece o outro. É uma idéia monolítica; um pensamento básico. O Haroldo fez a obra dele, o Augusto está fazendo a dele, o Décio está fazendo a obra dele. Décio sempre foi interessado em cinema, teatro, prosa, poesia, fez várias coisas. E eu só faço poesia. Nunca fiz mais nada do que isso. Na sua opinião, por que o concretismo ainda é um dos alvos favoritos de crítica e de incompreensão? Por que esse discurso conservador contra as idéias de vanguarda? Azeredo: Veja bem. Hoje estão começando a assimilar a Semana de 22. Estão começando a comer o biscoito fino de que o Oswald falava. Eu acho muito cedo ainda para o pessoal assimilar uma poesia assim do porte de uma revolução como foi a poesia concreta e, depois, uma poesia totalmente visual, experiências completamente diferentes. Então nós estamos até que caminhando muito bem, já chegamos a 22. Isso já é muito importante para uma geração consumista. Em 1956, foi lançada a poesia concreta, temos ainda alguns anos... Em 2006 serão 50 anos, então ainda não deu para... É natural que a turma não tenha assimilado nem entendido, não tenha gostado até. Os subcriadores são muito invejosos, e às vezes essa maioria domina grande parte da opinião pública. São subintelectuais -professores, publicitários, produtores de grandes programas de televisão, pessoas que têm grandes cargos em pontos culturais. E no fim são sub, não criaram nada, ou têm inveja de quem cria. É complicado, tem que esperar passar essa maré de mal entendimento e de inveja também. Hoje, pelo menos no meio universitário, eu não sei se somos muito compreendidos, mas no meio didático nossos trabalhos estão publicados. Mas não sei, isso também não leva a compreensão nenhuma, porque o aluno folheia aquilo e não compreende. Os que compreendem realmente e podem influir na sua divulgação, não sei se têm interesse. Agora só o tempo pode dizer. Como você definiria a poesia, segundo a poesia que você mesmo faz? Azeredo: É bem simples. Minha poesia evoluiu rapidamente, do concretismo – uma das logomarcas hoje do concretismo é um dos poemas meus, "Velocidade" –, daí partiu para a poesia participante, que até hoje eu penso seriamente em retomar. E depois minha obra partiu para uma poesia mais visual, mais voltada à visualidade, à metafísica, ao ideograma. Há vários anos parti para quase que esculturas, que seriam miniinstalações. Prefiro falar em escultura porque instalação é um negócio muito complicado, não há nenhuma séria no Brasil que eu tivesse visto até hoje. Acho uma porra-louquice, desculpe a expressão, mas essas instalações que estão por aí não querem dizer absolutamente nada, para mim. Eu faço hoje miniesculturas, ou miniinstalações. Esse é o meu caminho atual. É só isso. Mas quais procedimentos e idéias estão em jogo quando você escolhe fazer poesia? Você é poeta, não um escultor. Qual o específico da poesia, o que define essa diferença? Azeredo: Acho que é a linha de pensamento. É uma idéia. O que define, o divisor de águas aí é uma idéia. Meus trabalhos, se falados assim, ninguém entende; eles precisam ser vistos. Mas tem a idéia básica: você vai e realiza. Hoje eu tenho idéias, só isso. O que você pode contar de sua história com Alfredo Volpi? Azeredo: Xiii, a história é muito comprida. Mas para resumir: nós nos identificamos com o passar do tempo e entendemos que um era igual ao outro, então ficamos iguais. Só isso. Você terminou três respostas seguidas com "só isso". Mas sabe que há mais. Conte como foi essa coisa do Volpi patrocinar a publicação de suas obras, por exemplo. Azeredo: Eu freqüentava o ateliê do Volpi desde 1968, 69, toda tarde. Não é brincadeira, era todo dia mesmo. Ele morava na rua Gama Cerqueira e eu morava na Basílio da Cunha (bairro do Cambuci, São Paulo). Eu ia a pé para a casa dele, todo final de tarde. Tomava uma pinguinha do garrafão, batia papo. Até que dois, três anos depois eu me animei a mostrar algum trabalho novo. Em 1970, levei para ele o layout feito pelo Franklin Horylka para o meu poema da mulher catapora. Não sei por que levei... Talvez para mostrar que eu estava trabalhando, produzindo. Ele gostou muito. (pausa) Claro que gostou. Logo falou: "Vamos fazer". Chamou o (pintor Hermelindo) Fiaminghi para mandar realizar. Volpi pagou o trabalho de produção e impressão. Eu fiquei envergonhado, mas ele fez questão. Depois ele sempre me cobrava novos trabalhos. Ele falava (imitando o tom e o sotaque de Volpi): "Não tem trabalho?". Eu modestamente levava, o Fiaminghi realizava para a gente e prestava contas ao Volpi. Na década de 70 todos meus trabalhos foram patrocinados pelo Volpi. E não foi mais porque eu não quis, eu nunca quis mais do que isso. Como você conheceu o Volpi? Azeredo: Eu o conheci na exposição de 1957, no Ministério da Educação do Rio de Janeiro. Em São Paulo, 1956, pouco o vi. No Rio, vi com mais tranqüilidade, vi de longe: a primeira vez que eu o vi bem e ele estava olhando um quadro. E até pensei: "Pô, parece um velho marinheiro". Mas não me aproximei. Ele era do nosso meio. Ia a toda reunião, participava. Fui me aproximar dele em 67, com mais intimidade. E comecei a freqüentar. Todo ano – a toda hora – ele me cobrava novos trabalhos, cobrava mesmo, quando andava comigo e conversávamos. Foi assim de 71 a 78. O último foi "Céu mar". Ele fazia algum comentário, juízo de valor, ou o comentário dele era só pedir o próximo trabalho? Azeredo: Não, nunca falou nada. Mas acho que ele devia gostar muito da minha obra, porque sempre fez questão de patrocinar. Ele não fazia isso com mais ninguém, só comigo. Volpi sabia que, para ele, minha pesquisa estava no caminho certo. A gente conversava muito sobre poesia, que ele não entendia e eu entendia um pouquinho; e ele conversava sobre pintura comigo, que eu não entendia, não conhecia nada. E a gente ia conversando, na cozinha da casa dele. Só. Às vezes só nós, e ele se abria um pouco e tal. Mas não precisava elogiar. Como ele sempre patrocinou a minha obra, acho que ele gostava mesmo, se não, não teria patrocinado, não é? Ele falava: "Ronaldo, a obra, quando é boa, anda sozinha". Qual o papel de Oswald de Andrade em sua formação? Azeredo: Oswald foi meu primeiro pai intelectual. Para mim, foi uma explosão. Saber da vida dele, do poeta que foi, o primeiro a fazer teatro moderno, e tudo, até as mulheres que ele teve. Sou fã da Pagu. Fiz um trabalho, o da pirâmide, em que coloquei a Pagu. Oswald foi importante na minha vida. Me levou à "raiva", à crítica, à devoração antropofágica das coisas. A primeira prosa violenta que comecei a fazer, eu devo ao Oswald, uma prosa, como diz o Augusto, cheia de "erros e urros". Até hoje poucos falam do Oswald. Hoje começam a falar, mas ainda não se deu a devida importância, porque o poeta oficial paulista, infelizmente, é o Mário (de Andrade). Deveria ser o Oswald. Tenho uma admiração muito grande por ele. Tanto que a fotografia desse último livro publicado me alegrou muito. Na foto estão o Oswald, a Maria Antonieta d’Alckimin e o Pão de Açúcar (como pano de fundo). "Pão de Açúcar" é um dos meus poemas, finalizado em vídeo. Fiquei tão contente de ver os três juntos... E o que você pode dizer sobre Augusto, Haroldo e Décio? Azeredo: Augusto, Haroldo e Décio foram os grandes mestres que eu tive. Primeiro o Augusto, pela nossa convivência mais íntima, que me fez nascer poeticamente. Também a convivência com Haroldo e Décio me trouxe conteúdo intelectual, muita informação, que eu não tinha. Com os três, caminhos novos se abriram, através de conversas, às vezes até inicialmente muito difíceis para eu entender. Mas sou um bom ouvinte, calmo, fui vendo, escutando e fui assimilando devagar. Acho que até hoje são os três grandes criadores da América do Sul. Não conheço o mundo como anda em poesia, mas da América do Sul fatalmente: são os três. São as três constelações, as três estrelas, que até hoje configuram, fulguram como grandes criadores. Vindo do modernismo de 22 para a poesia concreta de 56, são menos de 35 anos. Não se pode fazer uma revolução intelectual de cinco em cinco minutos. Mas eles fizeram a revolução intelectual que acho a mais importante do Brasil. E esperemos agora uma nova geração que apareça para fazer novas coisas, porque até agora eu não tenho visto. Tenho visto só pequenas diluições de tudo que eles fizeram. E é muito triste, porque não houve avanço nenhum. Não há avanço, não há criatividade. Mas os três fizeram. Eu os coloco lá no topo da constelação. E modestamente consegui me aproximar, não sei como, mas muito modestamente me aproximei e fui beneficiado pela grande força das estrelas deles. E hoje estamos aí. Por que não surgiu uma renovação ou ressonância dessa grande energia? Azeredo: Acho que por um fato muito simples. Por ter sido uma revolução tão grande, realmente é difícil de se assimilar e de superar. É muito complicado, porque foi um negócio bastante difícil, muito grandioso eu diria. A poesia concreta mudou a poesia do mundo inteiro. Pela primeira vez, exportamos poesia. Para o pessoal que tinha assimilado 22 e importado poesia, já havia grandes movimentos de poesia moderna, na Itália e na França. O próprio Oswald em suas viagens percebeu isso. Mas a poesia concreta foi uma poesia de exportação, mudou o mundo inteiro. E é muito difícil, demoram-se anos... Talvez uma geração não tenha DNA para assimilar isso. Às vezes demoram duas, três, quatro gerações. Você veja o caso dos impressionistas: hoje, só hoje, estão sendo assimilados. Hoje até em novela aparece quadro de Cézanne em leilão. Isso depois de cento e tantos anos. E no entanto essa turma toda (Matisse, Cézanne, Van Gogh) andava com as telas debaixo do braço em Paris, pelos cafés, vendendo os quadros a preço de comida, a troco de banana. Demoramos aí cento e tantos anos. Então é assim. A poesia concreta ou hoje não mais poesia concreta, mas já de outra forma – com outros aspectos, de computação ou esculturas como faço, modernização de impressões- vai demorar muito para ser assimilada. Vai demorar talvez uns cem anos. E isso é bom, porque denota que nós não fomos ainda absorvidos. O cara, quando não é antropofagicamente comido, é porque não é bom. Em 50 anos de poesia, você nunca publicou um livro, no sentido de poemas coligidos. Você fez edições seriais (e limitadíssimas) de poemas visuais, objetos, e seu livro era composto de um único poema. Por que não reunir a obra numa antologia? Azeredo: Nunca me interessei em editar a minha obra porque também ela é meio complicada de editar. Porque tem vários caminhos: virou escultura, virou objeto. Mas nunca fui procurado, também nunca procurei ninguém. Nunca me interessei em publicar. Também não sei... ficar anônimo... Num certo sentido não sou anônimo -eu sou histórico, que é um outro lado. Ser histórico é um lado e ser anônimo é um outro lado que eu gosto também. Não tenho interesse em publicar nenhum livro não. Estes 29 poemas que você produziu desde 1954 até hoje não caberiam no formato livro? Azeredo: Caberiam sim... Feito por um grande designer suíço caberiam. Mas no Brasil acho que seria difícil... Quantos projetos você tem hoje esboçados, prontos para execução? Azeredo: Tenho 18 projetos, para serem realizados um por ano, porque é muito difícil a execução. Esse é seu padrão de produção, sua média? Azeredo: Não. Um por ano já é muito abreviado, porque a minha média é um a cada três ou quatro anos. Abreviando um por ano, com execução... Eu tenho 68 anos, mais 18 projetos que tenho rascunhados e gravados, então tenho projetos até... Quantos anos? Até os... 86 anos… Azeredo: Nem sei se vivo até lá, não é? Pelo menos estarei com alguns rascunhados... Essa escassez rigorosa de obras é outra característica de sua poesia. Como você encara isso? Azeredo: As idéias também não brotam assim como flores. É difícil. Eu corto muito, sempre. Destes 18 trabalhos -trabalho é como eu falo de um poema- são os que têm algo de bom. Várias idéias novas até 86 anos... Acho que não vou estar inteiro nem vivo para realizar isso... Vamos ver. Você está vivíssimo, tanto que no começo de nossa conversa você falou que queria retomar uma poesia participante. Por quê? E como seria isso? Azeredo: Eu acho que o Brasil não tem hoje poesia participante. Ninguém faz nada participante. Estou querendo voltar à poesia participante. Aliás, já fiz "A grande cidade" (1963), que tem ali "um capitalista que morreu de infurto", "Patrões abrem" (1962) e "O sonho e o escravo" (1966). Estou pensando em voltar. Por quê? Porque eu acho que é muito importante socialmente, nesse momento corrupto, no mundo inteiro. Estou querendo dar um grito contra tudo isso porque acho ridículo o que está acontecendo no Brasil e no mundo, ou seja: nada. Você está falando de algum contexto em particular? Azeredo: Falo no geral, não de um governo específico. Mas não sei... O Bush entrou na guerra atrás de petróleo, aqui a parte social tornou-se totalmente decadente, Fome zero, não sei o quê. Acho que falta realmente à poesia e aos intelectuais uma participação maior na política. Não é só caricatura de política, não adianta escrever cronicazinhas ou artiguinhos falando mal de políticos e tal. Acho que tem que fazer uma poesia, porque é uma arte maior, mais abrangente e tem mais poder de fogo. E está na hora, não é? Eu realmente estou começando a pensar em carregar meus canhões. Publicado em 8/2/2005 na revista Trópico – www.uol.com.br/tropico |